Implementação do EUDR: como a indústria de celulose do Brasil está transformando conformidade em vantagem competitiva
Por Jino John, especialista em inteligência de mercado com mais de 13 anos de experiência no setor global de celulose e papel
À medida que se aproxima o prazo de 30 de dezembro de 2025 para a entrada em vigor do Regulamento de Desmatamento da União Europeia (EUDR), a indústria global de celulose e papel enfrenta um momento decisivo. Enquanto muitos setores ainda correm para atender às exigências de conformidade, a indústria brasileira de celulose adota uma postura diferente — transformando anos de investimentos em sustentabilidade em uma clara vantagem de mercado.
O CENÁRIO REGULATÓRIO
Pelo EUDR, todos os produtos de origem florestal exportados para a União Europeia — incluindo celulose e papel — devem ser acompanhados de uma Declaração de Diligência Prévia (DDS) que comprove que:
- Os produtos não têm origem em áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020;
- Sua produção cumpre as leis locais;
- Dados de geolocalização precisos estão disponíveis para cada área de origem.
Para o Brasil, maior exportador mundial de celulose de eucalipto, as implicações são significativas. A União Europeia responde por cerca de 30% das exportações brasileiras de celulose, movimentando bilhões de dólares por ano. A regulamentação será aplicada imediatamente a grandes operadores e comerciantes, enquanto os de menor porte terão até junho de 2026 para se adequar.
A VANTAGEM ESTRUTURAL DO BRASIL
Diferentemente de outros segmentos do agronegócio, a indústria brasileira de celulose está altamente preparada para o EUDR. Grandes produtores mantêm há décadas sistemas de rastreabilidade “do campo à fábrica”, impulsionados por certificações como FSC e CERFLOR/PEFC.
Os principais diferenciais do Brasil incluem:
- Florestas Plantadas 100% Rastreáveis:
A produção baseia-se exclusivamente em plantações de eucalipto, não em florestas nativas. Cada talhão é documentado — desde o plantio até o manejo e a colheita — em áreas convertidas há décadas. - Integração Tecnológica Avançada:
As empresas investem fortemente em blockchain e monitoramento por satélite, garantindo transparência em tempo real e registros imutáveis em toda a cadeia de suprimentos. - Baixo Risco Geográfico:
As operações estão concentradas nas regiões Sul e Litorânea, longe de áreas críticas de desmatamento como a Amazônia e o Cerrado. - Histórico de Conformidade:
Décadas de auditorias internacionais consolidaram uma cultura de transparência e padrões ambientais rigorosos, tornando o setor especialmente preparado para as exigências do EUDR.
DESAFIOS RESTANTES
Apesar da base sólida, a indústria de celulose brasileira ainda enfrenta três desafios críticos até o fim de 2025:
- Integração de Sistemas Digitais:
O novo Sistema de Informações do EUDR exige troca de dados fluida com plataformas corporativas existentes. Testes de interoperabilidade estão em andamento, e gargalos técnicos precisam ser resolvidos rapidamente. - Apoio a Pequenos Fornecedores:
Grandes empresas integradas estão prontas, mas fornecedores independentes de madeira podem enfrentar dificuldades com documentação e requisitos digitais. O setor precisa garantir suporte para evitar falhas na rastreabilidade. - Complexidade Política:
A resistência de alguns segmentos do agronegócio tem gerado tensões em torno do EUDR. Alguns estados chegaram a propor sanções para empresas que adotam padrões ambientais mais rigorosos — uma contradição que complica o diálogo com autoridades europeias.
MUDANÇAS ESTRATÉGICAS NO MERCADO
Com a implementação se aproximando, três dinâmicas principais estão redesenhando o comércio global de celulose:
- Consolidação de Fornecedores:
Compradores europeus estão reduzindo suas listas de fornecedores, priorizando aqueles com conformidade comprovada. Produtores brasileiros certificados já garantem contratos de longo prazo — frequentemente com prêmios de 3% a 7% por sua confiabilidade; - Diferenciação de Produto:
Surge uma nova categoria, a celulose “EUDR-ready”, com produtores brasileiros destacando transparência total e perfis de carbono negativos como diferenciais em mercados voltados à sustentabilidade; - Reorganização da Cadeia Global:
Produtores em regiões com governança ambiental mais fraca estão perdendo acesso ao mercado europeu, abrindo espaço para o aumento da participação brasileira — uma tendência que deve se consolidar além de 2025.
O CAMINHO À FRENTE
Para a indústria brasileira de celulose, 30 de dezembro de 2025 não é um prazo final — é uma oportunidade de demonstrar décadas de liderança em sustentabilidade.
As prioridades imediatas incluem:
- Testes detalhados dos sistemas de envio da DDS;
- Treinamento de conformidade em toda a cadeia de fornecimento;
- Engajamento ativo com autoridades da UE para solucionar questões técnicas;
- Comunicação transparente sobre capacidades e desafios;
- Coordenação entre empresas do setor para manter padrões unificados.
A mensagem à Europa deve ser clara: os produtores brasileiros de celulose estão preparados, são transparentes e capazes de atender aos mais altos padrões de sustentabilidade do mundo. Mas essa prontidão precisa agora se provar na prática — embarque a embarque.
ALÉM DE 2025
O EUDR representa mais do que uma nova regulamentação — é uma mudança estrutural na forma como produtos de base florestal são valorizados e comercializados globalmente. O setor de celulose do Brasil tem agora a chance de definir o padrão global de produção responsável.
Com a expansão de mecanismos como o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM), a baixa pegada de carbono da produção brasileira de celulose e sua matriz energética limpa podem oferecer vantagens ainda maiores no futuro.
Em última análise, empresas que enxergarem o EUDR como um fardo ficarão para trás. As que o abraçarem como plataforma de posicionamento premium, diferenciação e crescimento de longo prazo liderarão a próxima era do comércio global de celulose.
A indústria brasileira de celulose sempre jogou no longo prazo — investindo em sustentabilidade muito antes de isso se tornar tendência. Agora, com a implementação do EUDR, essa visão de futuro está prestes a se transformar em uma vantagem concreta.











