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Setor florestal debate legislação sobre aquisição de terras por estrangeiros

Após o caso da Bracell, outros executivos do setor temem como a lei atual pode afetar investimentos futuros no país

No último mês, Anderson Tanoto, diretor-geral da asiática Royal Golden Eagle (RGE), esteve no Brasil para acompanhar a disputa pela operação de tissue da Kimberly-Clark – que foi vendida à Suzano por US$ 175 milhões – e avaliar a evolução de novos negócios.

Na oportunidade, o executivo também pôde acompanhar os esforços da Bracell, produtora de celulose pertencente ao grupo RGE, em relação à liminar que proibiu a empresa de comprar terras, arrendar ou firmar outros tipos de contrato no país além dos limites legais. A empresa possui planta em Camaçari (BA) e em Lençóis Paulista (SP), sendo uma das maiores produtoras mundiais de celulose solúvel.

Segundo fontes do agronegócio, apuradas pelo Valor Econômico, a chegada da companhia ao interior paulista gerou uma concorrência crescente por terras – entre o eucalipto e a cana-de-açúcar, predominante na região. Além disso, a agressividade das ofertas dos asiáticos teria impulsionado a valorização das propriedades rurais e atingido usinas de açúcar e energia.

Nesse contexto, o caso judicial começou com uma ação civil pública em Marília (SP), por parte da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e da Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê (Ascana), alegando que a Bracell descumpriu a lei 5.709/1971, que limita a compra de terras no país por estrangeiros.

Esta lei tem sido alvo de medidas judiciais similares em diferentes regiões do país, envolvendo empresas de outros setores, mas que não necessariamente se tornaram públicas. Com isso, a indústria de base florestal sentiu um abalo nos planos de crescimento, principalmente as multinacionais que juntas investiram bilhões para produzir papel e celulose no país.

Dessa forma, as empresas de capital nacional e estrangeiro do setor têm se unido em torno da necessidade de modernização da legislação que trata do assunto.

“Mesmo representando empresas com interesses diversos, a Ibá é a favor da modernização da legislação, bem como as companhias nacionais”, afirmou o presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), Paulo Hartung.

O executivo aponta ainda que, apesar da decisão afetar diretamente à Bracell, outras multinacionais do agronegócio também são indiretamente atingidas, bem como seus investimentos no país. “Esse não é um problema do setor de base florestal. Na soja, na cana, no milho há esse problema. É um desafio que precisa ser endereçado no Brasil, que tem uma agenda densa de desafios”, afirmou Hartung.

LEGISLAÇÃO

Ocorreram mudanças nas regras por diversas vezes em alguns anos. Um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), aprovado em 2010, retomou os termos de uma lei de 1971 que limitava a compra de propriedades rurais por estrangeiros a 10% da área de um município. Em contrapartida, dois pareceres da própria AGU, de 1994 e 1998, reforçavam que não deveria haver falta de isonomia entre empresas de capital nacional e estrangeiro, viabilizando uma série de investimentos, inclusive no setor florestal.

Em 2019, a MP 897, que acabou sendo convertida na chamada Lei do Agro, permitiu o investimento estrangeiro em terras por meio de dívida, além desse limite, mas manteve o impedimento de investir via capital. No mesmo ano, foi criado o Projeto de Lei 2963, do senador Irajá Abreu (PSD-TO), que contempla um interesse mais liberal quanto à compra por estrangeiros. O projeto foi aprovado pelo Senado em 2020 e segue na Câmara dos Deputados.

“De qualquer maneira, a solução prática ainda tem sido contratos de fornecimento com grupos nacionais, com investimento com maioria de capital nacional na aquisição da terra e parcerias”, explicou o sócio fundador do Bueno e Mesquita Advogados, Francisco de Godoy Bueno

“No caso da Bracell, um dos fatores que mais assusta na liminar é que a lei é clara em criar restrições para aquisição e arrendamento, mas não restringe outras modalidades contratuais como joint-ventures ou contratos agrários sem autorização do Incra”, acrescentou.

Conforme Renato Buranello, Marcos Jank e Leandro Gilio, especialistas do Insper e criadores do trabalho “Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros – Prós, contras, riscos e experiências internacionais”, a legislação sobre o assunto no Brasil é “bastante desatualizada e não compreende as novas relações de mercado”.

“As diferentes interpretações vinculativas da AGU, ao longo do tempo, evidenciam que há uma necessidade de revisão da lei, de modo que se ofereça ao mercado maior segurança e previsibilidade, necessárias para quaisquer decisões de novos investimentos”, escreveram.

De acordo com o sócio-diretor do grupo Index, Marcelo Schmid, a decisão judicial mais recente contra a Braceel representa mais um obstáculo ao investimento no agronegócio no país. “Além do impacto direto na Bracell, todas as empresas que tinham intenção de investir no Brasil estão preocupadas. Essa decisão coloca em risco novos investimentos”, concluiu o executivo.

Fonte
Valor Econômico
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